Conexões Históricas: Petraglia e Sicupira no Acervo do Coritiba Reveladas

Uma descoberta inusitada no coração do futebol paranaense tem agitado as discussões sobre a história e as conexões entre os clubes. No vasto acervo documental do Coritiba, agora sob a guarda da Universidade Federal do Paraná (UFPR), surgem evidências de que figuras emblemáticas do Athletico Paranaense, como o ídolo Barcímio Sicupira Júnior e o presidente Mario Celso Petraglia, tiveram um passado alviverde, com carteiras de sócios que remontam a décadas passadas.

Esta revelação não apenas adiciona camadas à rica tapeçaria do esporte local, mas também sublinha a importância da preservação histórica para compreender a complexidade das relações e trajetórias que moldaram o cenário futebolístico do estado. A documentação, que inclui fichas de associação, fotografias e recortes de jornais, oferece uma janela para um período em que as linhas de rivalidade podiam ser mais tênues e as interações sociais mais fluidas.

A preservação deste material é fruto de um esforço conjunto que visa resgatar e organizar um século de registros do Coritiba e do futebol paranaense. Este projeto, denominado "Coritiba, Curitiba e a História da Nossa Gente", une membros da associação do clube, historiadores e estudantes da UFPR, em uma iniciativa crucial para a memória esportiva e cultural da região.

O Legado Esquecido: O Acervo Alviverde

Localizado em uma sala discreta no histórico edifício da Universidade Federal do Paraná, o acervo do Coritiba é um tesouro de documentos que delineiam não apenas a trajetória de um clube, mas também a evolução social de Curitiba. Centenas de caixas contêm registros que vão desde os glamourosos bailes dos anos 1950 até os pedidos de associação de personalidades notáveis, traçando um panorama multifacetado da instituição.

Entre os itens mais reveladores estão as pilhas de fichas de associação, que, ao serem meticulosamente analisadas, revelam nomes surpreendentes. Além das figuras ligadas ao Athletico, o acervo também guarda a ficha do renomado ator Ary Fontoura, nascido em Curitiba, que se tornou sócio do clube em 1952, aos 19 anos, ainda como estudante e residente na capital. Naquele período, o Coritiba era reconhecido por suas festas vibrantes, que se estendiam pela madrugada, consolidando-se como um epicentro da vida social curitibana.

A percepção da necessidade de salvaguardar esse patrimônio cresceu dentro da gestão atual do Coritiba. Daniel Ferreira, historiador e membro do G5 da associação coxa-branca, um dos principais envolvidos no projeto, relata que a iniciativa surgiu da constatação de que a história do clube não vinha recebendo a devida atenção. Ao assumir a gestão, documentos que seriam descartados pela SAF do clube foram identificados, impulsionando a negociação para a cessão desses arquivos à associação.

"A gente tinha a percepção de que a história do clube não vinha sendo cuidada como deveria. Quando a gente toma posse do clube esse ano, isso se torna mais evidente para nós. E a gente consegue formar uma comissão muito forte para fazer esse cuidado com a história do clube", afirmou Daniel Ferreira em entrevista.

Conexões Inesperadas: Ídolos e Dirigentes em Outro Contexto

Um exame aprofundado das fichas de associação revela nomes que ressoam profundamente no cenário do futebol paranaense, mas em um contexto inesperado para muitos torcedores. Barcímio Sicupira Júnior, o maior artilheiro da história do Athletico, e Mario Celso Petraglia, o atual presidente do Furacão, constam como ex-sócios do Coritiba, um fato que ilumina as complexas teias históricas que unem as duas principais forças do esporte local.

A presença de Sicupira é particularmente notável. Ele foi sócio do clube alviverde, juntamente com seu pai, nos anos 1960, quando ainda era um jovem estudante, bem antes de seu distintivo bigode se tornar uma marca registrada e de ele se consagrar como o maior ídolo rubro-negro na década seguinte.

Similarmente, Mario Celso Petraglia, hoje a figura mais proeminente do Athletico, também frequentou o clube coxa-branca nos anos 1960, ao lado de seu pai, José Benito Petraglia. Essas descobertas surpreendem pela dimensão e profundidade das informações encontradas.

A tabela a seguir sumariza as informações dos sócios notáveis encontrados no acervo:

"A gente não tinha a dimensão da profundidade do que a gente iria encontrar. Encontra arquivos relativos a bailes que o clube fazia na década de 40, informações a respeito de sócios notáveis na cidade, inclusive pessoas que nos causam bastante espanto, plantas do estádio. E isso nos dá uma dimensão maior da história do clube", complementou Daniel Ferreira.

Coritiba: Mais que Futebol, um Centro Social

Os documentos evidenciam que o Coritiba, além de ser um clube de futebol, desempenhou um papel central na socialização da cidade. A sede social, onde atualmente funciona o bar do clube, era um ponto de encontro vibrante, palco de bailes de carnaval, festas de Ano Novo e diversos outros eventos que marcavam o calendário social de Curitiba. Fotos, recortes de jornais e contratos de artistas da época, como Nelson Gonçalves e Moacyr Franco, atestam a efervescência cultural que permeava o ambiente alviverde.

Luis Fernando Lopes Pereira, historiador e também integrante do projeto de resgate do acervo, destaca a riqueza sociológica da documentação.

"É uma documentação, sociologicamente falando, extremamente rica. E que demonstra que não é só futebol. Tem muito além do futebol e essa imbricação que a história do Coritiba tem com a história da cidade", pontuou.

As fichas e registros também oferecem um vislumbre de épocas passadas, como os anos 1970, durante a Ditadura Militar, quando as festas e suas programações musicais estavam sujeitas à análise da censura, com listas de canções proibidas sendo rigorosamente cortadas. Essa dimensão histórica adiciona um peso significativo ao valor do acervo, mostrando como o clube se entrelaçava com os grandes movimentos sociais e políticos do país.

O Futuro da Memória Alviverde

Apesar de estar em seus estágios iniciais, o projeto de organização do acervo do Coritiba avança com a meta de catalogar e identificar todos os materiais. A fase subsequente incluirá a digitalização dos documentos, um passo fundamental para garantir a preservação e acessibilidade do conteúdo.

O objetivo final é democratizar o acesso a essa vasta coleção de informações, disponibilizando-a para consulta pública. Isso permitirá que torcedores, pesquisadores e a comunidade em geral possam explorar as histórias que conectam o clube à cidade, reconhecendo-se nas narrativas que emergem dos documentos.

"A gente está ainda nesse processo de organização, de identificação, porque a gente está abrindo várias caixas, então a gente encontra coisas muito interessantes, mas ainda nesse processo de catalogar, de organizar, digitalizar", explicou Daniel Ferreira. "Temos uma variedade imensa de possibilidades de pesquisa e aí, assim, também, claro, disponibilizar para o público em geral, para que conheçam, porque essas pessoas vão se ver nessas histórias", concluiu.